O GATO QUE ATRAVESSAVA PAREDES
Rio de Janeiro, 19 de Agosto de 2013
Eu já tive um gato que se chamava Górki. Ele era intratável, misantropo e desconfiado. Ele só ronronava se fosse forçado a isso. Ele conseguia estar em vários lugares ao mesmo tempo. A sua morte, eu tenho certeza, deixou o mundo mais pobre. E ele era só um gato.
Ao ler pela primeira vez sobre o experimento de Erwin Schrödinger, foi em Górki que pensei. Em seu paradoxo, o físico austríaco examina o conceito da física quântica que afirma que uma partícula microscópica existe em uma sobreposição de dois ou mais estados de energia simultâneos. Ela está e não está ao mesmo tempo. E o mais estranho é que esse estado de sobreposição só é interrompido quando a partícula é observada. A sobreposição de estados apenas se define em um único e definitivo estado no momento exato da medição.
O experimento (imaginário) de Schrödinger é esse: Um gato é colocado em uma caixa lacrada, juntamente com um frasco de gás venenoso e uma partícula quântica que pode estar em dois estados de energia, A ou B. Se a partícula estiver no estado A, o frasco se quebra e o gato morre. Se a partícula estiver no estado B, o frasco permanece intacto e o gato sobrevive. Enquanto a caixa não é aberta por um observador, a partícula vai se manter em ambos estados simultâneos. Logo, o gato vai estar vivo e morto ao mesmo tempo.
Está bem, eu não entendo muito de física, muito menos de física quântica. Mas esta partícula impossível que mescla gatos mortos e vivos me pareceu uma metáfora tão adequada para pensar o olhar do espectador.
Faltam três semanas para a estreia, e estamos fechados em nossa caixa com gatos, gases venenosos e infinitas partículas microscópicas. A essa altura, parece que este espetáculo pode ser o que quisermos. Um drama existencial niilista. Uma fantasia barata de ficção científica. Um documentário sobre os chimpanzés bonobos. Um episódio perdido dos Trapalhões. Uma comemoração por estarmos, mais uma vez, todos juntos. Uma reflexão pessoal sobre a dor e a delícia de estar casado.
Quando estivermos diante de você que está lendo ou não este programa, os inúmeros espetáculos que criamos vão se transformar em apenas um, chamado Síndrome de Chimpanzé. O seu olhar e sua presença vão tornar reais coisas que eram apenas imaginadas e desejadas. Pode ser um bom ou um mau espetáculo, alegre ou triste, pode ser que toque você ou não. Mas justamente hoje, justamente estas pessoas reunidas neste mesmo lugar. Parece maravilhoso.
Ou ainda outra possibilidade: talvez você esteja dentro da caixa conosco. E a caixa ainda não foi aberta, e podemos ser muita coisa ao mesmo tempo. Estamos vivos e mortos, e vamos continuar assim.
Que bom que você está aqui.
PS. “O gato que atravessava paredes” é também o título de um livro de Robert A. Heinlein, autor de “Um estranho numa terra estranha”, que teve aparições no monólogo Alcubierre e na peça de áudio Uma estrangeira em terra estrangeira.