NEM MORTA

Lisboa, 11 de Julho de 2018

“The trope of the contagious, incurable bite suggests political surrender: if you can’t beat ’em, join ’em. A zombie movie in which the dead or the living established worker-owned factories, or built public schools, or brought manufacturing back to the United States from overseas-that would be a zombie movie where ‘everything’ changed. This is why a zombie par excellence is always someone we knew before, when he was still normally alive – the shock for a character in a zombie movie comes when they recognize the formerly friendly neighbor in the creeping figure relentlessly stalking them.... [A]t the most elementary level of human identity, we are all zombies.... The shock of meeting a zombie is thus not the shock of encountering a foreign entity, but the shock of being confronted by the disavowed foundation of our own humanity.”

Slavoj Zizek, “Less than nothing”

Mortos-vivos: uma ex-conferência continua o seu avanço inexorável e cambaleante pelo Brasil do nosso tempo e vai oferecer ao gentil público que tantas vezes no recebeu no FIT Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto informações cruciais sobre o pós-apocalipse: as ameaças potenciais, as estratégias de autopreservação realmente efetivas, os desafios éticos e semânticos, num passo-a-passo lúdico e disfuncional. Um espetáculo que atravessa o deserto do real enquanto canta alalaô-mas-que-calor.

Como combater hordas de mortos-vivos insaciáveis que invadem as casas e despedaçam nossos entes queridos? Como discutir ética com um ser inarticulado que está tentando mastigar o nosso cérebro? O mundo que conhecíamos acabou: não há mais governo, sinais de trânsito, produtos de supermercado, etiqueta social, amenidades. Há apenas a sobrevivência. Do que mais estamos dispostos a abrir mão para garantir a nossa sobrevivência? Se não sabem as respostas para estas perguntas, não temam: nós temos todas as respostas, mesmo para os questionamentos mais indigestos.

Felipe Rocha, Stella Rabello, Renato Linhares e Lucas Canavarro são daqueles monstros do teatro que devoram não apenas os cérebros e as tripas dos espectadores mas também partes mais delicadas e sensíveis que raramente são expostas à luz. A descrição pode dar a impressão de que está não é uma experiência prazerosa. Mas eu garanto que quem prova um tiquinho que seja destes quatro, não esquece e volta pedindo mais, deixando copos com restos de bebida e marcas de batom pelos cantos, os lençóis revirados e manchados na cama, cantando junto com o disco da Alcione na vitrola: “Eu só deito contigo, porque quando me abraças nada disso me importa, coração abre a porta, sempre que eu me pergunto quando vou te deixar, me respondo: nem morta”.

PS. Há mais de quatro anos que estou vivendo uma relação à distância com estas pessoas. Trocamos mensagens, fofocas, nudes, revelações bêbadas, chamadas no skype, marcamos encontros futuros no calendário e depois confundimos as datas todas. Talvez outros que estão nesta situação, como Marina Provenzzano e Fábio Osório Monteiro percebam a emoção que sinto ao reconhecer numa divulgação de rede social a entrada de um prédio, um capacete de melancia, um adereço de filme de ficção científica, um tique, um jeito de falar, um pé no pós-dramático e o outro pé nos Trapalhões.


Anterior
Anterior

O MELHOR É O OUTRO

Próximo
Próximo

A PELE, A CARNE, OS OSSOS