O MELHOR É O OUTRO
Lisboa, 01 de Setembro de 2018
Criei o pequeno monólogo autobiográfico Alcubierre durante o verão especialmente quente de 2009, na Piscina Municipal do Areeiro em Lisboa. A piscina estava abandonada, seca e coberta de poeira, mas passávamos os dias como se estivéssemos num oásis artístico e utópico, preparando os trabalhos que seriam apresentados na Mostra Cartões de Visita, organizada pelo Teatro Maria Matos, que funcionava logo ali ao lado. Eram sete artistas brasileiros e portugueses, reunidos em torno do Projeto Estúdios: Tiago Rodrigues (o culpado por tudo aquilo e pelo que veio depois), Felipe Rocha, Cláudia Gaiolas, Thiare Maia Amaral, Paula Diogo, Michel Blois e eu. Após algumas semanas apresentamos nossos trabalhos no interior coberto de azulejos da piscina, diante dos espectadores sentados em algumas fileiras de cadeiras desmontáveis.
Depois de voltarmos ao Brasil, Felipe Rocha (que apresentara na piscina uma adaptação de cair o queixo de “Um conto nefando?” de Sérgio Sant’Anna) e eu decidimos casar os nossos monólogos no programa duplo 2histórias. Juntei uma mesa, uma cadeira, brinquedos de criança, livros e algumas histórias de família (voltaria a usar exatamente estes mesmos recursos outras vezes ainda), a diretora Clara Kutner transformou o meu conjunto desconexo de memórias e objetos numa história pertinente e afetuosa (ela tem este poder), e ainda criou um sistema solar inteiro com pequenas lâmpadas. Felipe e eu reconstituímos o duelo entre Obi-Wan Kenobi e Darth Vader com espetos de churrasco. Que dupla!
Mais ou menos na mesma época, Gustavo Ciríaco me convidou para criar uma performance para a Ocupação Manifesta, que propôs a uma série de performers que pegassem nos manifestos que foram o principal instrumento de todo uma geração de artistas para dialogar com o seu tempo, rever destinos e propor futuros em comum e respondessem à pergunta: “Qual é, hoje, o seu manifesto?” Marina Provenzzano já era uma peça fundamental dos Foguetes Maravilha, então chamei-a e juntos colocamos em cena o Desejo-Manifesto que escrevi. Mais pequenas memórias (não escapo delas), cenas de filmes ruins (não escapo deles), um artigo sobre a prisão do impostor francês Frederic Bourdin, “O Amante de Lady Chatterley”, um banho de champanhe, eu na minha canastrice barrigudinha e Marina em toda a sua presença luminosa. Que dupla!
E agora, estes dois textos, tão colados no que eu fui e sou, estão sendo apresentados sem mim, na comemoração dos 10 anos dos Foguetes Maravilha. Marina e Lucas Canavarro (que dupla!) fazem de mim, e são as melhores versões de mim que já houve. E sem nenhum dos meus defeitos, o público tem tudo a ganhar e nada a perder.
O que me faz pensar que às vezes a passagem do tempo é para melhor.