CORRAM POR SUAS VIDAS
Lisboa, 21 de Outubro de 2018
O talento da escritora inglesa Naomi Alderman para subverter estruturas de poder aparecia logo no seu primeiro livro “Disobedience”, que sobrepunha um romance lésbico e a comunidade judaica ortodoxa de Londres. Ou na fantasia distópica “The Power”, em que as mulheres se tornam capazes de dar choques elétricos mortais e os homens passam a ser o sexo frágil - uma fantasia que nunca deixa de estar com as unhas cravadas dolorosamente no mundo que vivemos. Ou na ideia incrível de criar o aplicativo de fitness Zombies, Run!, em que as pessoas podem manter-se em forma para o fim do mundo. O seu gosto por histórias de terror é explorado ainda no artigo “The meaning of zombies”, em que ela escreve:
“All that desire. It’s the terrifying thing about gay people or Jews or vampires – you can’t always tell them from anyone else. By contrast, zombies can’t ‘pass’. It’s probably significant that they originate in West African Vodou and thus carry a hint of racial fear with them. Their brains have been stolen away, in the way that good Englishmen in the late nineteenth and early twentieth centuries feared that the influx of immigrants would drug or brainwash or seduce their women and contaminate their gene pool. And they won’t just kill us, they’ll turn us into one of them. They confront us with how close we all are to the edge of acceptability. A moment’s loss of concentration could mean that we become the outsiders. Kill them again and again and perhaps we’ll never have to acknowledge that they were inside us all along.”
Mate-os de novo e de novo e talvez nunca tenhamos que reconhecer que eles estavam dentro de nós o tempo todo. A ficção de Naomi Alderman é pertinente porque não corre para longe da realidade, mas acelera rumo a este abismo sem fundo em que estamos caindo agora. Falar de mortos-vivos, vampiros e outros monstros neste momento não é escapismo: estamos todos cercados por estes “outros” que nos ameaçam, seduzem, desafiam, violentam. A ideia de uma multidão faminta e contagiosa que vai aos poucos engolindo a todos os indivíduos fala ao mesmo tempo de derrota política e falência social.
E de repente estamos novamente cercados por suásticas, coturnos, capuzes brancos.
PS. Isto tudo, claro, é para falar de #Haddadsim e #Bolsonaronão (há um sim e há um não porque não acredito que todas as posições se equivalem; não há acordo possível com fascistas que reverenciam a morte). E também para dizer que os Foguetes Maravilha estão em temporada no Sesc Belenzinho em São Paulo com Mortos-vivos: uma ex-conferência, um espetáculo que vai sendo continuamente ultrapassado pela realidade. Mas Felipe Rocha, Stella Rabello, Renato Linhares, Lucas Canavarro, Wallace Ruy e Fábio Osório já são especialistas em sobrevivência, e têm muito a ensinar.