O MELHOR ESTÁ POR VIR

Lisboa, 07 de Novembro de 2018

Eu tenho medo e já aconteceu
Eu tenho medo e inda está por vir
Morre o meu medo e isto não é segredo
Eu mando buscar outro lá no Piauí
Medo, o meu boi morreu, o que será de mim?
Manda buscar outro, maninha no Piauí

Belchior, Pequeno Mapa do Tempo

Ando pensando muito sobre o medo. O medo e a dor são ferramentas que a evolução inventou para nos manter vivos. Pequenos e eficientes interruptores que nos afastam momentaneamente da morte e nos permitem continuar a fazer o que realmente importa: sentir desejo e prazer. Mas medo e dor só fazem sentido quando são passageiros. Não dá pra viver com medo, é muito cansativo, consome muita energia, desperdiça recursos importantes. Mas ainda assim há quem viva com medo, um medo paralisante que acompanha cada gesto, cada inspiração.

Bolsonaro, por exemplo. Imagino como deve ser angustiante e pavoroso o seu cotidiano, ameaçado permanentemente por tudo que se move, por tudo que respira e tem cor. Bolsonaro é a maior representação do medo que já vi, mais ainda do que um gato que tive e vivia em cima do armário numa poça de urina a roer a própria pata por medo de ser atacado. Este gato tinha medo de um outro gato, maior e mais velho. Bolsonaro tem medo de tudo. Mesmo tudo: negros, índios, gays, migrantes, comunistas, professores, trabalhadores, historiadores, debates, eleições, democracia. Bolsonaro tem pânico de mulheres, o que deve ser uma sensação extremamente paralisante num mundo em que as mulheres são a maioria e andam por todo o lado e fazem o que querem das suas vidas e dos seus corpos.

De tanto medo, Bolsonaro foi criando uma espécie de muro para defende-lo das ameaças. Ostenta este muro feito de matéria em decomposição como se fosse uma prova de força: “Olhem o meu muro! Eu que fiz, tem paredes muito altas! E estou cheio de armas aqui dentro, não se aproximem! O Ustra e o Fleury e o Pinochet também estão aqui comigo!” Mas é só um muro de medo, o mesmo medo flácido que o faz encolher-se numa pequena bola que treme incontrolavelmente e cheira a mijo.

Não que o medo de Bolsonaro não seja perigoso, claro que é. Porque para sentir-se seguro ele vai tentar destruir aquilo que o ameaça. E tudo o que está vivo o ameaça. Como todo o covarde, Bolsonaro anseia pela segurança do fascismo. Mas se há algo que aprendi com as pessoas que eu amei e amo, aprendi com as mulheres, negros, índios, gays, migrantes, comunistas, professores, trabalhadores, historiadores que me tornaram uma pessoa melhor, é que a vida tem muita força. O prazer tem mais força que o medo.

Quando penso no medo de Bolsonaro eu lembro do meu filho, que nasceu quando a ditadura se escondia em um buraco escuro e se tornou um homem forte, corajoso e generoso. Penso no meu outro filho que vai nascer dentro de alguns meses e em tanta gente que eu quero que ele conheça. Gente que está longe e que está perto, gente que já foi e que ainda está aqui, ainda bem. Gente de todas as cores e sexos possíveis, gente capaz de reinventar a existência de todas as maneiras possíveis. Por favor, permaneçam vivos, permaneçam cheios de desejo.

O melhor está por vir.

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