EXEMPLO CLÁSSICO DE FINAL TRISTE
Salvador, 02 de Agosto de 2012
GUNZA: Esse é um exemplo clássico de final triste. É como a mocinha morrendo de câncer. O vagabundo caminhando sozinho por uma estrada. O casal se despedindo no aeroporto de Casablanca. Como o milionário morrendo e falando “Rosebud”. Como as irmãs abraçadas esperando o asteróide colidir com a Terra. Ou o macaco gigante caindo do alto do prédio, só por causa da mulher. A operária cantando enquanto é enforcada. Ou quando o homem finalmente percebe que ela não se levantou do sofá porque não consegue andar. E que foi por isso também que ela não foi ao seu encontro seis meses antes. E agora é tarde demais para esquecer. Ou ela indo embora sozinha e deixando o menino, enquanto ouvimos a sua voz: “Faz muito tempo que eu não mando uma carta pra alguém, agora eu tô mandando esta carta pra você. Você tem razão, seu pai ainda vai aparecer e, com certeza, ele é tudo aquilo que você diz que ele é. Eu lembro do meu pai me levando na locomotiva que ele dirigia. Ele deixou eu, uma menininha, dar o apito do trem a viagem inteira. Quando você estiver cruzando as estradas, no seu caminhão enorme, eu espero que você lembre que fui eu a primeira pessoa a te fazer botar a mão num volante. Também vai ser melhor pra você ficar aí com seus irmãos. Você merece muito, muito mais do que eu tenho pra te dar. No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo, que um dia, você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo. Dora". Ou as duas amigas encurraladas pela polícia diante do abismo. Elas se beijam, dão as mãos, o carro acelera e cai no abismo. Ou é como o bandido francês romântico dizendo “eu vou ficar, já tive o suficiente, estou cansado, eu não devia estar pensando nela, mas não posso fazer nada”. A polícia chega, o bandido leva um tiro e cai diante da mocinha. Ela coloca a mão no rosto assim. Ele respira, sorri, estica os lábios como num beijo e diz:
OSÓRIO: C'est vraiment dégueulasse.
[OSÓRIO morre.]
GUNZA: O que é que ele disse?
CÍOLO: Ele disse que você é mesmo muito baixa.
GUNZA: O que significa ''muito baixa''?
POCA: É como um saco plástico voando em um redemoinho de vento. Um saco comum e banal, que até poderia ter o nome Supermercado Atacadão impresso no lado, girando em uma entrada de garagem de uma casa de periferia, enquanto ouvimos uma voz a dizer: “Quer ver a coisa mais linda que já filmei? Foi num desses dias, quando está prestes a nevar e há uma eletricidade no ar. Você quase pode ouvir. E este saco estava dançando para mim como uma criança chamando para brincar. Por 15 minutos. Foi quando entendi que havia essa vida toda por trás das coisas e essa incrível força benevolente que dizia não haver razão para ter medo... nunca. Em vídeo não é a mesma coisa, eu sei. Mas ajuda a lembrar. Preciso me lembrar. Às vezes, há tanta beleza no mundo. Parece que não posso suportar. E meu coração parece que vai sucumbir.”
PS. Tome isto ao coração foi criado numa colaboração borbulhante com os artistas do grupo Dimenti, estreando em 15 de Agosto de 2012. Antes que alguém mais aponte o dedo, devo admitir que esta foi a última vez que Fábio Osório Monteiro, Lia Lordelo, Márcio Nonato, Paula Lice e Vanessa Mello, unidos como irmãos siameses há 15 anos, trabalharam juntos. Quem mandou chamar alguém que não Jorge Alencar para dirigi-los?