UM CERTO NÚMERO DE OBJETOS DESLOCA-SE NUM CERTO ESPAÇO

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2016

“A cidade é um tipo de memória organizada.”

Hannah Arendt

Criar um espetáculo é um pouco como começar uma viagem. Escolhemos um objetivo e nos preparamos para chegar lá. Consultamos mapas e itinerários, pedimos conselhos para quem já lá foi, fazemos planos e preparativos, enchemos as malas com casacos de lã e havaianas e maçãs e bolachas e dicionários e baralhos e palavras cruzadas e brinquedos e analgésicos e adaptadores de tomada e coisas frágeis que não deveriam ser levadas na mala e livros que acreditamos que teremos tempo para ler durante a viagem. E esquecemos alguma coisa muito importante que depois vai fazer a maior falta. Então aparecemos na hora marcada na estação ou no porto, confiantes que a viagem vai correr como o esperado e vamos chegar ao nosso objetivo. Um objetivo imaginário, claro. Quando de fato chegamos lá, é sempre tudo muito diferente.

Eu gosto de viajar e gosto de criar espetáculos que de alguma forma falem da sensação de viajar. Mais do que o lugar de chegada, me interesso pelo trânsito e pelo meio
do caminho. Quando penso nestas cidades invisíveis descritas por Italo Calvino, gosto de pensá-las como lugares que continuarão como uma miragem no horizonte, aquela imagem de um oásis refrescante que nos faz caminhar até um lugar um pouco mais longe, um pouco mais longe.
Talvez nunca alcancemos o oásis e nossos esqueletos vão apontar o caminho para os próximos viajantes. Ainda assim, que bela jornada.

É neste ponto que começamos esta história: no meio. Com um pequeno grupo de pessoas
à deriva, conversando sobre os lugares de onde vieram e imaginando os lugares para onde vão.  Ao imaginar as cidades invisíveis de Calvino, efémeras e flutuantes, vêm à nossa mente lugares como o campo de refugiados New Jungle, em Calais, França, onde cerca de 4 mil pessoas aguardam uma oportunidade para entrar na Europa. Uma cidade inteiramente feita de lona, plástico e madeira, com lojas e oficinas, dormitórios e igrejas, numa espécie de versão em miniatura do planeta Terra, com habitantes organizados em comunidades-nações.

Ou lugares como a plataforma de resgate Aylan 1, criada pelo coletivo de ativistas alemães Centro para a Beleza Política e ancorada numa das rotas utilizadas pelos refugiados no Mediterrâneo com alimentos, água e um rádio – um oásis de esperança em meio ao mar.

Lugares que nos lembram que uma das origens de “As Cidades Invisíveis” de Calvino foi a “Utopia” de Thomas More.

PS. Um salva-vidas, três maçãs, algumas clementinas, uma couve-coração, três animais de brinquedo, uma manta daquelas da avó, onze livros, um mapa da Europa, uma foto e uns postais, três pessoas. No total são 55 objetos em cena, que Alfredo Martins, Paula Diogo e Rafaela Jacinto transformam em mapas e prédios, jardins e museus, modelos em escala e representações de cidades imaginárias como Zenóbia, Esmeraldina e Adelma; mas também de sítios reais como Lisboa, Berlim, Ponta Delgada e Aleppo, na Síria. As cidades invisíveis estreou em 11 de Fevereiro de 2016 no Teatro Maria Matos em Lisboa.


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