LABIRINTO SEM PAREDES

Rio de Janeiro, 08 de Setembro de 2015

Por onde começar?

Há cerca de dois anos, Dani Lima e eu conversávamos sobre fazermos juntos (mais) um projeto, um processo de criação compartilhada que reunisse outros artistas com quem tínhamos vontade de trabalhar e conviver. Falamos muito em jogo e obra aberta, em propor um ponto de partida e descobrir durante o percurso onde isso daria. Lembramos logo de Julio Cortázar, com seu olhar apaixonado, desacomodado, curioso, aventureiro. Compartilhávamos o gosto por suas narrativas em que acontecimentos cotidianos se transformam em paisagens fantásticas, a maneira lúdica e exploratória de lidar com a linguagem, a abertura ao diálogo com o leitor e seu apetite voraz por referências e digressões. Pensamos em “O Jogo da Amarelinha”, “62 Modelo para Armar”, “Volta ao Dia em 80 Mundos”, em tantos outros. Achamos que este poderia ser um início.

Logo escolhemos um fiapo de procedimento – cinco diretores e cinco intérpretes, três semanas para cada diretor criar uma célula cênica a partir de Julio Cortázar, um espetáculo como resultado da união destas células – e um título: 6 modelos para jogar. Tínhamos uma longa lista de nomes de artistas com quem nos daria gosto trabalhar. Embaralhamos estas peças e vislumbramos vários jogos possíveis, todos instigantes. Onde algo que é só imaginado começa a se tornar real?

Babi Fontana foi a primeira pessoa a estar conosco, e esteve presente em todas as fases do processo, depois vieram Cristian Duarte, Denise Stutz e Márcio Abreu. Os cinco intérpretes originais se tornaram quatro: Dani e eu convidamos Renato Linhares, Cristian convidou Júlia Rocha, Denise convidou Fábio Osório Monteiro, Márcio convidou Francisco Thiago Cavalcanti. Cada um vindo de um lugar diferente, com diferentes bagagens, diferentes perspectivas. Fizemos um quebra-cabeças de agendas e nos encontramos em abril de 2015. Por dez dias estivemos juntos numa sala de ensaios no Rio de Janeiro, mergulhados em algo que ainda não sabíamos o que era. Falamos muito de Cortázar, mas também de Deleuze, Sophie Calle, Brian Eno, Alan Turing, Arthur Aron, Antonioni, Kiarostami, Bela Tárr, Hélio Oiticica e Lygia Clark. Experimentamos propostas de cada um e de todos, exercícios sobre presença, acaso, deriva, intimidade, loopings, adiamentos, paisagens, questionários, entradas e saídas. Encontramos alguns fios (bem tênues ainda) que iriam conduzir cada diretor em sua etapa. Começamos.

Depois cada diretor teve três semanas para se debater na sala de ensaios com um universo de questões e possibilidades, escolhendo das etapas anteriores os caminhos que lhe interessavam, decidindo abrir caminhos novos, traçando retornos e atalhos, chegando a becos sem saída. A cada três semanas, tudo recomeçava, num exercício enlouquecedor de desapego e invenção. Ao final de cada etapa, algo restava: procedimentos e assuntos, materiais soltos, maneiras de fazer; uma cena com início, meio e fim; uma estrutura que utilizava o que havia sido feito antes.

Então, meses depois, voltamos a estar todos juntos como no início, mas agora alguns dias antes de estrear no Itaú Cultural, em São Paulo. Pela primeira vez vimos ao mesmo tempo o que foi produzido ao longo do processo: um espetáculo possível. Como era de se esperar, cada um viu diferentes espetáculos naquele mesmo espetáculo; diferentes maneiras de começar, de continuar, de falar, de estar. Debatemos até a exaustão sem chegar a uma única conclusão. E escolhemos a solução que poderia ser óbvia desde o início – não fazer um único espetáculo, mas vários. Um para cada diretor: Alex, Cristian, Dani, Denise e Márcio. E mais um para Babi, Chico, Fábio, Júlia e Renato. Seis versões do mesmo espetáculo. Seis modelos para jogar.

Agora só falta uma coisa para começar.

Você.

Anterior
Anterior

UM CERTO NÚMERO DE OBJETOS DESLOCA-SE NUM CERTO ESPAÇO

Próximo
Próximo

ORELHA