E TODOS OS FOGOS DE ARTIFÍCIO QUE VOCÊS CONSIGAM ARRANJAR
Kortrijk, 31 de Maio de 2016
Queridos amigos do BUDA Kunstencentrum, seu convite para imaginar “the wonderful workspace of the future” nos deu uma grande ideia. Até agora, ao começar um novo projeto buscamos um estúdio para acolher uma criação apenas vagamente entrevista. E torcemos para que esta criação não nos obrigue a derrubar paredes, montar uma piscina ou sequestrar alguém. Mas subitamente nos ocorreu que a nossa próxima criação pode ser exatamente um espaço de trabalho. Um maravilhoso espaço de trabalho do futuro. Por enquanto ele está apenas vagamente entrevisto, mas sabemos que vamos precisar de uma vasta equipe de colaboradores locais: engenheiros, arquitetos, pedreiros, cozinheiros, marceneiros, agricultores, astrólogos, pintores, faxineiros, antropólogos estudiosos de lendas indígenas, poetas cegos, advogados, linguistas, marinheiros, vendedores-ambulantes, drag-queens, refugiados, lutadores de box que gostem de música folk, crianças ruivas de 6 anos, um cachorro, uma tartaruga, um caminhão-monstro de demolição, 500 larvas de bicho-da-seda e todos os fogos de artifício que vocês consigam arranjar. Podemos começar em maio de 2018 e acreditamos que em 12 meses estará tudo pronto pra ser destruído em uma bela festa de inauguração. E então começamos de novo.
Dani Lima e Alex Cassal
PS. Esta contribuição foi publicada em The Wonderful Workspace of the Future, um livro do BUDA Kunstencentrum em Kortrijk BE. Estivemos neste belo espaço durante três semanas no final de 2011, com a residência Conversations à la table, por sua vez parte do processo de criação do projeto “100 gestos que marcaram o século XX” que propunha um mapeamento do imaginário corporal que construiu o nosso século, resgatando nos gestos, movimentos, posturas, modas, danças sociais e espetaculares, um pouco da história subjetiva dos últimos cem anos. Na época, nos perguntávamos sobre distanciamento e proximidade, tradução e incorporação, conteúdo e significado. A dramaturgia de uma peça fundamentada num campo tão vasto parecia se organizar com base nos critérios tão arbitrários quão subjetivos pelos quais as escolhas eram feitas, nas perspetivas adotadas a cada momento, do micro ao macro, do individual ao comum, do subjetivo ao concreto. Como satisfazer a magnitude do tema sem que ele se diluísse na horizontalidade das enciclopédias? Em última instância, que experiência buscávamos criar através destes 100 gestos? O espetáculo resultante, nomeado justamente 100 Gestos, estreou em 2012 no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro.