AS CURVAS DA ESTRADA DE SANTOS

Lisboa, 02 de Setembro de 2024

Leva-se muito tempo a cavar um túnel debaixo da terra, quando só o que temos são as nossas mãos e a vontade de chegar a algum lugar. Paula Diogo e eu imaginamos este espetáculo no primeiro ano de Bolsonaro no poder. Ensaiamos entre confinamentos, reuniões de zoom e mudanças inesperadas de calendário. Estreamos em Lisboa no ano em que os brasileiros elegeram mais uma vez Lula presidente. E só agora, enquanto escrevo esta mensagem, um animado grupo de portugues_s e brasileir_s vai num avião sobrevoando o oceano, a caminho do Brasil.

Este é um espetáculo que fala sobre a escuridão (das minas, dos desabamentos, das depressões, dos incêndios e dos regimes de exceção) para falar sobre o encontro, o humor, a resiliência, a ternura e a mão que busca outra mão. Um espetáculo desfocado, como uma memória. Um espetáculo esfumaçado, brumoso, nebuloso, baço, míope, submarino, indefinido, fantasmagórico, lamacento. Como o vulto que a criança com medo de escuro cria no seu quarto, a partir de um casaco pendurado. Um espetáculo feito para dormir.

É também um espetáculo que reúne no palco alguns dos artistas mais extraordinários que conheço: Felipe Rocha, Renato Linhares, Cláudia Gaiolas, Fábio Osório, Crista Alfaiate, Yaw Tembe, Alegria Gomes, João Lopes Pereira e Marco Mendonça (que no Brasil vai ser substituído pela não menos extraordinária Carla Galvão). Ver esta gente em cena é tão bonito, tão inspirador, tão reconfortante. Eu adoraria que todos pudessem ver. Mas são apenas duas apresentações em Santos, dentro do Mirada - Festival Ibero-Americano de Artes Cénicas.

Então: se por um acaso você estiver dando um rolé pelas curvas da estrada de Santos nos dias 6 ou 7 de Setembro - o Dia da Independência do Brasil - dá um pulinho ali no Teatro Brás Cubas. Vai ser bom. Escuro e bom. Quente e bom. Alguém vai cantar no seu ouvido, e murmurar, bem baixinho, dizendo coisas que você esperou muito, muito tempo para ouvir.

PS. Subterrâneo, um musical obscuro é uma co-produção entre os portugueses da Má-Criação e os brasileiros dos Foguetes Maravilha e Dimenti.

Anterior
Anterior

GUERRAS, PANDEMIAS E CONSPIRAÇÕES

Próximo
Próximo

ADORO A DECOLAGEM