FOGUETÃO DOURADO COM MOTORES QUADRIMENSIONAIS

Lisboa, 05 de Outubro de 2025

Você já esteve num planetário? 

A minha primeira vez foi na cidade onde nasci, no sul do Brasil, ao pé do Rio Guaíba. Quando eu era criança os planetários funcionavam com um projetor analógico no centro da sala, um equipamento que parecia uma nave alienígena fantástica prestes a descolar para uma viagem rumo ao desconhecido. Com o tempo, esses projetores foram sendo substituídos por versões digitais, mais discretas e embutidas nas paredes. Mas os planetários continuam basicamente os mesmos: são uma heterotopia, um lugar que contém outros lugares — reais ou imaginários — como os teatros, as bibliotecas, os jardins, os cemitérios, os telescópios e os espelhos. Um espaço para viajar sem realmente sair do lugar.

Desde criança, acho, que gosto de planetários, viagens e palavras como heterotopia.

Hotel Paradoxo, um projeto que acumula todos esses gostos, vem sendo escrito desde 2023 em lugares como bibliotecas, salas de ensaio, centros culturais, cafés e na mesa da sala — entre tigelas de papa, cartas de Pokémon e livros ilustrados. E finalmente, em setembro, o bravo crononauta Marco Mendonça e eu aterrámos no Planetário do Porto, para perceber se esta ideia extravagante — um monólogo teatral num planetário, entre planetas e estrelas — seria, afinal, viável. (Parece que sim.)

Então tudo indica que dentro de menos de dois meses estaremos a descolar o nosso foguetão dourado com motores quadridimensionais rumo ao algures e ao nenhures, a partir da plataforma de lançamentos do Planetário do Porto – Centro Ciência Viva. Isto, claro, se entretanto não matarmos os nossos avós, apagando-nos por completo da existência, ou se os nossos experimentos não acabarem por rasgar o próprio tecido da realidade, criando uma reação em cadeia que destrua o universo inteiro.

O que, convenhamos, é sempre uma possibilidade.

PS. Além de heterotopia, outra palavra que muito aprecio e que tentei, sem sucesso, encaixar em alguma brecha deste Hotel Paradoxo é sojourner. Com origem no século XIII e acumulando significados tão próximos e díspares como visitante, hóspede, peregrino, viajante e forasteiro, sojourner traz consigo essa noção tipicamente medieval de entrelaçamento entre a coisa e o fazer, entre o tempo e o espaço. É também o nome escolhido por Sojourner Truth, nascida Isabella Baumfree, abolicionista e ativista pelos direitos das mulheres afro-americanas, que escapou à escravidão e se tornou uma das mais poderosas vozes pelos direitos civis do século XIX. E, finalmente, é o nome de um pequeno veículo enviado a Marte em 1997, que durante quase um ano percorreu a paisagem pedregosa do planeta vermelho, até deixar de funcionar. Ainda lá está, com os seus painéis solares inativos a enviar silenciosos sinais de luz para o nada.

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FOGO QUE ARDE