AUTONAUTAS DA COSMOPISTA
Lisboa, 30 de Maio de 2025
Nas últimas semanas tenho ido com bastante frequência a Torres Vedras, sempre de autocarro. Apanho o Expresso na estação de Sete Rios, junto ao Jardim Zoológico, ou o Barraqueiro (adoro) ao lado da estação de Campo Grande. Chegando ao terminal rodoviário de Torres Vedras, apanho um segundo autocarro que faz a linha de Santa Cruz, e costuma ir cheio de adolescentes a voltar da escola ou da praia, a ouvir música nos telemóveis. Salto em Casalinhos de Alfaiata, já perto suficiente do mar para sentir o cheiro de maresia. E então caminho até a sede do Grupo Desportivo Recreativo e Cultural Casalinhense. Sei que estará fechada à hora que chego, mas o sr. Armando emprestou-me uma chave e mostrou-me onde ligar as luzes. E ali, naquele salão fresco e silencioso, começo a viagem realmente árdua de preparar-me para estrear um monólogo que começou há dois anos, justamente com um percurso de autocarro para Torres Vedras.
Viajei muito de autocarros nesta vida. Mas uma das viagens mais antigas foi também uma das mais memoráveis. Eu tinha 10 anos e fui de Porto Alegre, onde nasci, até o Rio de Janeiro. Foram 24 horas de estrada. Eu ia acompanhado do meu pai, que tem nome de general cartaginês e adorava excursões extravagantes. Ele tinha uma capacidade muito própria para transformar mesmo os trajetos mais banais em aventuras épicas. Partilhava este talento com o escritor argentino Julio Cortázar que juntamente com a tradutora canadiana Carol Dunlop partiu de Paris numa carrinha-pão-de-forma reconvertida em autocaravana, rumo a Marselha, um trajeto de mais ou menos 800 km. O casal levou 30 dias para chegar ao seu destino, pernoitando em todas as estações de serviço, registando a fauna, flora e topografia dos arredores, travando relações com os demais viajantes. Esta odisseia em pequena escala depois virou um livro, “Os Autonautas da Cosmopista”, que eu recomendo entusiasticamente, e que é um dos livros que eu tenho sobre as minhas mesas em Casalinhos de Alfaiata.
Acho que os momentos que mais se arrastam numa longa jornada são aqueles que antecedem imediatamente a chegada. Quando não estamos mais a viajar, mas a antecipar o fim da viagem. Agora, às vésperas da estreia, sinto-me um pouco assim. Queria que esta viagem durasse mais um bocado, dias, meses. Mas o que eu queria mesmo é que hoje já fosse amanhã, Sábado 31 de Maio, instantes antes das 21h30 quando o céu começa a mudar de cor, e estivéssemos no salão fresco e tranquilo do GDRC Casalinhense prestes a dar a partida para outra viagem.
Então é isso. Um autocarro a 24 biliões de quilómetros da terra é parte do projeto Rádio Existência, que eu venho desenvolvendo juntamente com os melhores companheiros de estrada: Márcia Lança, Gaya de Medeiros e Bruno Huca, acolhidos pelo Teatro-Cine de Torres Vedras e pela Má-Criação.
PS. Para quem não está com disposição para uma viagem de autocarro, posso oferecer uma série de opções incríveis. Para começar, hoje dia 30, os amigos do Amarelo Silvestre vão estrear o Diário de uma República III em Loulé, também junto ao mar. O incansável Marco Paiva anda a fazer piscinas por Portugal afora com a sua Terra Amarela, e amanhã irá dividir-se em 2, apresentando Mãos Minhas em Guimarães e O Tamanho das Coisas em Penafiel. Ou será o contrário? O Fogo Lento de Costanza Givone irá germinar em Vila Nova de Famalicão o seu Micélio. E para não alongar-me muito, acrescento apenas que Marco Mendonça vai estar no Porto com o Blackface e Leonor Mendes em Lisboa com Ficar é um instante. Tudo imperdível. Corram!