CABEÇA DE MACACO
Lisboa, 22 de Outubro de 2010
Boa noite. Meu nome é Alex Cassal. Quando recebi a mensagem de correio electrónico de Mark me convidando para este projeto eu estava em Manaus, cidade brasileira cravada no centro da exuberante floresta amazónica. A proposta do projeto era para escrever um pequeno texto, de até 10 minutos, tendo como cenário o Hotel Lutécia, este lugar aqui. O hotel onde passei algumas semanas, da última vez que estive em Lisboa.
Ato contínuo à leitura da mensagem de Mark, abri no computador uma pasta nomeada “Lisboa”. São as fotos que tirei durante estas tais semanas, alguns anos atrás. Na maioria, são fotos de ensaios de teatro, ou de pessoas ao redor de mesas de bares, ou de pessoas muito brancas numa praia, ou de um castelo, ou de uma entrada de casa no Bairro Alto, ou de uma moça no eléctrico, uma moça sorridente com lenço no cabelo. E a foto que eu estava procurando, a única foto que tenho do meu quarto no Hotel Lutécia. Era a última manhã que eu passaria em Lisboa. O quarto tem paredes cor de gelo. A carpete é vermelho-sangue. A cama está desarrumada. Os lençóis são brancos, mas estão cobertos de manchas vermelhas, manchas irregulares, quase com o mesmo tom de vermelho da carpete.
Há uma espécie de sombra no canto da foto, em primeiro plano, como se a pessoa que fez a foto estivesse com a mão em frente à lente, e lembrasse disso bem no momento de fazer a foto, e tirasse a mão, deixando esse rastro de movimento, essa sombra, atravessada pela luz do sol que entra pela janela aberta, revelando os prédios lá fora, do outro lado da rua.
Fechei o computador, sai para rua, e caminhei em direção à floresta, passando por prédios velhos e mal cuidados, igrejas evangélicas e muitos ambulantes vendendo aparelhos electrónicos, colares de contas, cartões postais, chapéus de palha, onças de pelúcia, calcinhas de renda e camisetas com dizeres em inglês. Caminhei até a beira do rio, largo como um mar, conversei com algumas pessoas e encontrei um barqueiro que aceitou me levar ao outro lado do rio. Ele me deixou na margem, com os pés enfiados na lama. A floresta estava à minha frente, fechada, uma espécie de colcha de retalhos de folhas, galhos, flores, indo até onde meu olhar alcançava. Vejo um buraco na folhagem, uma área escura com dois pontos brancos que olham para mim enquanto olho para eles. E assim ficamos: nos olhando.
PS. Para o aniversário do Teatro Maria Matos convidou-se o encenador e dramaturgo Tiago Rodrigues para realizar um projeto em que o palco seria transferido para os quartos do Hotel Lutécia, no edifício acima do Teatro. Sete dramaturgos portugueses e internacionais foram convidados a escrever uma história que se passaria num quarto deste hotel. Uma bancada ao ar livre foi montada na rua em frente e o público assistia ao espetáculo que decorria nas varandas da fachada do Hotel Lutécia, ouvindo os diálogos com auscultadores.