VENTO FORTE

Lisboa, 01 de Agosto de 2023

Um grupo de performers num espaço delimitado por espectadores e por ventoinhas ligadas. Uma paisagem quente e em constante mutação, como se as rajadas de vento a mudar de direção agissem também sobre os corpos. Performers e ventoinhas aproximam-se e afastam-se numa interminável dança de acasalamento de pássaros excitados que passam horas em preliminares e apenas segundos no ato em si, trocam parceiros e coreografias, cruzam olhares e trajetórias, enredam e desenredam os fios que mantém o vento a soprar.

Os performers estão a dançar para as ventoinhas ou para nós? Trata-se de um peep show ou de um baile de província? Um comentário sobre as políticas afetivas da América Latina ou sobre o aquecimento global? Seja o que for, é picante.

Ouve-se uma velha canção da Rita Lee cantada langorosamente com a boca próxima às pás a girar de uma ventoinha, distorcendo a voz num registo metálico. A inspirada composição sonora de Bobby Brim mistura ritmos latinos e batidas eletrónicas, aquece progressivamente o caldeirão, vamos aos poucos mergulhando naquela sopa sonora e cinética que amolece a carne nos ossos. Afinal, os performers se congregam numa banda, num bando, num bloco que expande o espaço delimitado, colocando também nós espectadores dentro do círculo vibrante, as luzes são substituídas por lanternas coloridas piscantes, roupas vão sendo abandonadas, corpos suados deslizam a centímetros das cadeiras onde estamos, o ritmo atinge um ápice que parece insustentável e assim vai permanecer por muito tempo, pessoas como pás de moinho a receber massas de ar para produzir energia, calor, humidade, afeto.

Sim, a peça de Mariana Catalina Iris gira em torno dos afetos com a força irresistível de um fenómeno climático, a puxar-nos para o centro onde tudo se dissolve em pequenos fragmentos brilhantes levados pelo vento.

PS. Entre una brisa y una sudestada foi criado no contexto do PACAP – Programa Avançado de Criação em Artes Performativas, um projeto de criação/formação organizado pelo Forum Dança e dirigido a profissionais e estudantes de áreas artísticas que investem num período de experimentação avançada, conciliando a investigação, a criação e a apresentação ao público. Nesta edição, o PACAP teve curadoria de Sofia Dias & Vítor Roriz.

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